domingo, 14 de julho de 2013

A arte de não sentir saudade

Esquecida no fundo de uma gaveta estava uma antiga foto, do ano de 2000. Era uma foto conjunta de toda a equipe da empresa em que trabalhava na época, uma empresa em formação, mas que pertencia a um grande grupo já estabelecido. Um de seus maiores projetos na época era justamente aquele do qual participei: um portal de internet que hoje é um dos mais conhecidos do estado, o clicRBS.

Senti uma felicidade imensa ao ver aquela foto. Mas não foi uma felicidade de saudade. Eu não consigo sentir saudade daquela época. Explico: sinto imenso orgulho de ter trabalhado por quase 9 anos naquela empresa, assim como me orgulho de cada trabalho, voluntário ou remunerado, que tive. Sinto orgulho das 12 horas de trabalho por dia, dos feriados e finais de semana perdidos e até mesmo das muitas madrugadas em que fui acordada por algum problema técnico ao longo daqueles anos (ainda que contrariada). Só que isso não é saudade. Saudade é um sentimento que pressupõe sentir falta de algo ou de alguém. Sinto saudade de duas amigas queridas que se foram precocemente, sinto saudade dos meus avós e tios que se foram e também da jovem sonhadora que fui um dia. Mas não sinto saudade daqueles anos. Foram sim, uma parte importante da minha vida, feliz em muitos momentos, triste em outros. Foram anos que fizeram de mim quem sou hoje e me trazem boas memórias. Só. Passou. Nova fase.

Vejo diariamente no meu trabalho (e que fique claro, não estou falando especificamente da empresa que mencionei antes) pessoas que ficam plantadas por 20, 30 anos na mesma empresa e vestem a camiseta de tal modo que se sentem donas daquilo. Fazem alianças estranhas, provocam demissões ou mudanças de cargo de colegas ou simplesmente não admitem que alguém faça qualquer comentário crítico a respeito de nada, como se tivessem a obrigação de trabalhar num lugar perfeito, mesmo que o mundo lá fora esteja desmoronando. Um dia elas se aposentam ou simplesmente vão embora, mandam um e-mail emocionado enumerando seus feitos lá dentro e esperam as honrarias. Só que no dia seguinte à sua despedida, já há outra pessoa ocupando aquele posto e a vida segue, como se aquele ser jamais tivesse existido.

Veja bem, não estou aqui dizendo que ninguém deve ser comprometido. Pelo contrário. A arte de não sentir saudade pressupõe, quem sabe, trabalhar muitas horas, dedicar-se com afinco a uma tarefa, desentender-se com alguém. Ou não. O importante é fazer aquilo que é certo, ou que pelo menos parece ser naquele momento. Muitas vezes estive trabalhando, enquanto meus amigos festejavam. Em outras ocasiões, repreendi subordinados, briguei com colegas, aceitei soluções que sabidamente não eram boas, mesmo contra a minha consciência, apenas porque parecia ser o correto. Analisando pra trás hoje, vejo que não guardo grandes arrependimentos. Quiçá por isso não haja saudade.

Há pessoas que dirão que eu nunca construirei nada com esse meu pensamento. Pode ser. O que me traz maior felicidade de ter construído não foram os sites ou softwares que desenvolvi ou coordenei. Até porque eles não serão perenes. O código que me deu o maior trabalho no ano de 2002 e ao longo dos anos seguintes está morto desde 2008. O que me traz maior felicidade mesmo é ver que, poucos anos após esse ano 2000, mais especificamente a partir de 2004, dei oportunidade a algumas pessoas de entrar no mercado de internet. Pessoas que hoje são grandes profissionais. Também me traz felicidade saber que trabalhei com algumas das pessoas daquela foto, pessoas que continuo admirando. Mas não saudade.

Talvez o maior segredo de não sentir saudade seja justamente a renovação. A vida não pode ter uma única meta ou foco. Meu projeto atual é muito diferente daquele de 13 anos atrás. É ajudar uma criaturinha a entender e encontrar seu lugar nesse mundo maluco, sempre respeitando o direito dos outros de também terem seu espaço. Em breve, se Deus quiser, serão duas criaturinhas. Estou fazendo isso de corpo e alma, sem esperar retribuição futura. E igualmente espero um dia não sentir saudade. Apenas a felicidade do dever cumprido.