sábado, 27 de março de 2010

O direito de não fazer nada

Um dos textos que me foi indicado por um following do Twitter nessa semana foi "The Cult of Busy". O texto realmente me impressionou e muito. Primeiro, porque eu também já tive a impressão de que pessoas cujos celulares tocam sem parar são realmente importantes e populares. Segundo, porque provavelmente jamais terei coragem de repetir "não tenho tempo" para alguém.

Mas o texto me fez pensar ainda sobre outra categoria de pessoas. Aquelas que querem fazer todas as coisas ao mesmo tempo. É muito desagradável quando um amigo ou familiar marca com você um jantar e passa o tempo inteiro checando seus SMSs e e-mails no celular ou no iphone. Ou então comparece a determinado evento e passa mais tempo falando ao telefone com outras pessoas do que com as pessoas que estão sentadas na mesa. Melhor seria não comparecer. Não há nada pior do que não estar completamente focado em algo. Pessoas que tentam responder e-mails, conversar, jantar e ouvir música ao mesmo tempo, acabam não fazendo nenhuma dessas coisas direito.

A segunda categoria que o texto me relembrou foi a daquelas pessoas com vida social intensa. Veja bem, não há nada de errado em ter uma vida social intensa se você gosta disso e isso lhe faz feliz, mas o problema aqui é que muitas pessoas têm necessidade de demonstrar que possuem muitos amigos, que vão a muitas festas e que são os primeiros a visitar o novo 'point' da cidade. Nessa semana, vivi bom exemplo disso. Inaugurou uma Petisqueira em frente a minha janela no trabalho. Pois antes do meio-dia a fila dava volta no quarteirão. Claro que todas aquelas pessoas sabiam que o lugar vai ficar por ali, aberto diariamente, durante o ano inteiro. Mas todo mundo queria ser o primeiro a experimentar e, uma boa parte desse povo, muito mais para contar aos amigos do que exatamente por vontade.

Nós vivemos com uma urgência de fazer coisas. Tiramos férias e achamos que temos que viajar, conhecer 20 países em 10 dias. No final de semana, achamos que temos que preencher nosso tempo da manhã à noite com alguma atividade fora de casa. Mas quantos de nós realmente queremos fazer isso? Meses atrás, eu conversava com amiga de muitos anos e relembrávamos o nosso tempo de baladas. Depois de algum tempo, comentei com ela: "sabe que eu não gostava muito daquilo", ao que ela prontamente me respondeu: "pois para mim era verdadeiro sacrifício sair todos os finais de semana".

Acho que já fui uma 'busy woman'. Já vivi nessa urgência de sempre estar procurando algo para fazer, sempre me sentindo culpada por estar desperdiçando tempo se estivesse parada. Porém, hoje, consigo ter dias como o domingo passado: não fiz nada a não ser dormir, comer e assistir a apenas 1 filme e, ainda por cima, na TV. Não acho mais que o meu tempo tenha sido desperdiçado. Eu estava fazendo exatamente o que queria fazer naquele dia.

Em informática, nós usamos um termo chamado multithreading que é a capacidade para executar várias tarefas ao mesmo tempo. Isso é uma habilidade de alguns processadores. O ser humano é multithreading, em termos. Fazemos várias coisas ao mesmo tempo, sim, mas o foco da nossa atenção inevitavelmente fica em apenas uma dessas coisas. Para as demais, temos apenas olhos periféricos e, se alguém nos perguntar o que realmente aconteceu, não teremos visto. De uns tempos pra cá, descobri que se curtir bem o meu dia de 'fazer nada', tenho muito mais disposição para enfrentar as coisas que mais me aborrecem e que necessariamente precisam ser feitas em algum momento. Aliás, enquanto não faço nada, consigo pensar em formas mais eficientes de gerenciar meu tempo (o que não é fácil com duas profissões e quatro lugares diferentes de trabalho) e tenho conseguido.

Mas talvez tudo isso seja uma grande besteira e eu só esteja ficando velha.

PS: Pra quem está com saudade dos posts sobre viagens, em breve retomo.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Das coisas que eu sinto falta

Esse ano nada de inferno astral. Incrivelmente, o período transcorreu sem grandes turbulências, numa calma até assustadora. Então, naquela depressão pré-aniversário que costuma me atingir, fiquei a pensar nas coisas que o tempo nos tirou e que (ao menos a mim) fazem falta:

  • Casas sem grades
  • Andar de bicicleta na rua
  • Quando eu sabia quem era a vizinha do quintal ao lado e ela era até minha amiga
  • Quando os Paralamas do Sucesso lançavam disco todo ano e eu ia aos shows quase todo ano
  • Picolé feito em casa que tinha gosto de gelo
  • Tomar banho de chuva sem as pessoas acharem que era maluca
  • Quando alguém pedia 'licença' no ônibus lotado para passar e as pessoas realmente se esforçavam para dar passagem
  • Quando no mesmo ônibus lotado alguém que estivesse sentado se oferecia para segurar suas coisas (e não era batedor de carteira)
  • Patins
  • Quando a gente acreditava que concursos e vestibulares eram livres de fraudes, mesmo sem colher digital e mesmo sem aquele monte de normas de segurança dos editais de hoje
  • Quando acordava cedo aos domingos pra ver Ayrton Senna correr
  • Cinema com criatividade nos efeitos especiais (e como é bom rever)
  • Cinema com roteiros de verdade ao invés de golpes de artes marciais de 360º
  • Quando era bonito ter cachos no cabelo
  • Pesquisa na biblioteca que acabava reunindo toda turma de amigos
  • Ficar uma tarde inteira sem ser encontrada (porque não existia celular)
  • Cartas
  • Bolinho de chuva
  • Quando o Zaffari vendia sorvete da Conaprole de doce de leite granizado
  • Chocolate Kit-kat
  • Batata frita de mãe (as mães não fazem mais batata frita)
  • Piscina no clube nas tardes quentes de verão
  • Invernos de verdade
  • Letra cursiva

Como diria Mário Quintana: "O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo..."

quinta-feira, 11 de março de 2010

Geração Y, geração Z e o futuro do trabalho

Uma das coisas que me inquietava era pensar em como as crianças de hoje se adaptariam as estruturas hierárquicas das empresas amanhã, quando precisassem entrar no mercado de trabalho. Falo isso, porque todo mundo vê que a maioria das crianças dessa geração não demonstra o menor respeito por regras ou pela liberdade das outras pessoas. O foco é o "eu quero". Há vinte anos,crianças ajudavam nos afazeres domésticos, mesmo que com coisas mínimas. Com 7 ou 8 anos eu já tinha que espanar o pó e secar a louça. E, sim, nós respeitávamos as professoras nas escolas. Se passássemos uma rasteira enquanto uma caminhasse, como aconteceu ano passado no local onde minha mãe trabalha,seria expulsão na certa. Hoje, apenas se chama os pais que vão alegar que o coitadinho é muito jovem para entender o que se passa. Nós crescíamos com um senso de obrigação muito maior do que de prazer, o que não quer dizer, necessariamente, que éramos mais felizes.

Até então, eu imaginava que quando essas crianças crescessem teriam uma espécie de choque com a realidade. Criados em um mundo imaginário, onde eram reis e princesas, em que todos faziam as suas vontades, teriam dificuldades para entender que, na vida, a gente começa de baixo e não direto, digamos, na posição de diretor de empresa, decidindo o que deve e o que não deve ser feito.

Mas eis que lendo uma matéria (acho que foi na Zero Hora, mas não consegui encontrar mais a fonte depois), mudei totalmente a minha visão. De repente, me dei conta de que essas crianças e jovens - as chamadas gerações Y e Z - não vão precisar se adaptar tanto a regras e hierarquias quando chegarem ao mercado de trabalho. As empresas é que vão mudar. Estruturas hierárquicas rígidas e  horários de trabalho inflexíveis tendem a desaparecer. Ferramentas de comunicação online, como o MSN vão deixar de ser um problema, para tornar-se uma forma rápida de interação entre setores e, mesmo de busca por soluções. Afinal, quem melhor do que aquele seu ex-colega de trabalho que está no Canadá para lhe ajudar a resolver um bug no sistema que ele desenvolveu e no qual você hoje dá manutenção?

Sem flexibilização de regras, grandes empresas não reterão grandes talentos e tendem a perder empreendedores criativos, o que fatalmente lhes levará ao desaparecimento. Deve-se ter em mente que o importante pra geração que já está por aí não é construir uma carreira sólida em uma empresa: o objetivo é a satisfazer objetivos pessoais, trabalhando naquilo que se gosta. Nesse sentido, propostas como a da Natura são bem interessantes. Para selecionar seus trainees, a empresa apostou num modelo de seleção de que prioriza candidatos que acreditam na proposta da empresa e se identificam com seus valores, como a capacidade de aprender, o respeito ao meio ambiente e à sustentabilidade. E fez tudo isso através de mensagens virais pela web, sem identificar-se como empresa, num primeiro momento.

Proposta semelhante eu vi em uma das áreas de desenvolvimento de software na Globo.com há cerca de dois anos. Havia um gestor de equipe, mas os profissionais do time poderiam assumir diferentes papeis, dependendo do projeto. Você poderia ser líder de determinado projeto e em outro ser um programador. Era aplicada uma metodologia chamada "Scrum" (bastante conhecida na área de Tecnologia da Informação, mas não tão conhecida em outras áreas) que se adequa muito a esse novo mundo empresarial. Os times se reúnem diariamente por 15 minutos e todos os membros tem igual tempo para manifestar-se nesse período, sem maior preocupação com quem seja o líder naquele momento.

Enfim, é certo que o universo do trabalho está mudando. E quem sabe no futuro, também se mudem algumas regras no rígido universo da justiça, como aquela do STF, que proíbe "a entrada de pessoas calçando chinelos, tênis, sandálias ou calçados estilo 'sapatênis', assim como trajando qualquer peça de roupa de tecido jeans" em suas sessões.

sábado, 6 de março de 2010

Geisy Arruda e o Carnaval

Durante muito tempo disse aos conhecidos que não expressaria minha opinião sobre o caso Geisy Arruda (a famosa estudante do vestido rosa da Uniban). Mas eis que li uma nota semana passada dizendo que a menina "depois de lutar para remarcar as provas de final de semestre, as perdeu devido às pressões do carnaval" e fiquei a pensar no quão emblemático o caso é. Digo isso, porque sabemos que a moça contratou advogados e que tem uma ação na justiça contra a universidade, ação essa, que tem grande probabilidade de vencer.

Em primeiro lugar, juridicamente falando, não há dúvida de que a menina sofreu dano moral. Ora, se a exposição pública e o xingamento público, sem falar na divulgação de vários vídeos pela internet não causam abalo moral, eu não sei o que causa. A universidade pode alegar que não tem culpa, que foi "culpa exclusiva da vítima" ou "fato de terceiro", mas, se pensarmos que os clubes de futebol respondem pelos danos em torcedores causados pelos tumultos das torcidas que saem do controle, igualmente, uma universidade que não oferece segurança suficiente aos seus alunos e que não impede que uma manifestação que deve ter iniciado com meia dúzia de abobados querendo "tirar onda" tome grandes proporções, responde, sim. Não precisa ser gênio ou ter o notório saber jurídico para chegar a essa conclusão.

A questão, no entanto, é um pouco mais profunda que isso. Doutrinariamente falando, a indenização por dano moral visa "restaurar o status anterior ao dano". Agora eu pergunto: será que se a menina pudesse escolher entre voltar a ser uma anônima estudante de turismo que trabalhava num mercadinho, sem nunca ter sofrido o que sofreu, ou entre ser uma celebridade que aparece na TV, desfila em escolas de samba, coloca megahair e ganha cirurgias estéticas, escolheria o que? Não é novidade que a sociedade parecer dar mais valor a um ex-BBB do que a um médico que corre de um lado para o outro num pronto-socorro.

Não estou aqui a defender a universidade, muito menos os criminosos (sim, criminosos) que a ofenderam ou a dizer que ela não deveria ganhar uma indenização, mas me parece que "retornar ao status anterior" aqui não é exatamente o objetivo almejado. Acredito que de um modo tosco, como é próprio dos nossos tempos, a sociedade já reparou o dano a essa menina. A gente aprende na faculdade que o real significado de justiça é "dar a cada um aquilo que é seu", mesmo que isso signifique não tratar igualmente a todos. Então, eu, que não vou decidir nada, nem sou formadora de opinião me pergunto: será que Geisy Arruda já não recebeu o que é seu?