quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Pela liberdade de não-crença

Passou quase despercebida nessa confusão de final de ano a matéria da Zero Hora do último domingo: a ATP (Associação dos Transportadores de Porto Alegre) vetou uma campanha que a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) pretendia veicular em 10 ônibus da capital rio-grandense, sob pretexto de que a legislação municipal proíbe manifestações religiosas.

Engraçado, mas quem mora em Porto Alegre e não tem memória tão curta vai lembrar que no início do ano foi veiculada campanha da Igreja Universal anunciando o Dia D - Dia da Decisão, propagandeando uma "profusão de milagres", no dia 21 de abril em quase todos os ônibus da capital. Então propaganda da Igreja Universal pode, mas propaganda da Associação dos Ateus não pode?

Não sou adepta do movimento dos ateus, tampouco da Igreja Universal. Tenho minhas crenças e minha religião, mas elas só interessam a mim. Acredito, sobretudo, no que está na Constituição Federal, como direito fundamental:

"Art 5º, VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos"

Por liberdade de crença eu entendo também a liberdade de não-crença. Mas parece que as pessoas não são livres para não pertencerem a uma religião. Então, se eu não tenho herdeiros necessários, posso doar todos os meus bens para uma Igreja qualquer, mas não acreditar em nenhuma religião, não pode? Ah, você vai dizer eu posso doar meus bens para o movimento dos ateus, o que não posso é expressar isso nos ônibus da capital. Então, pra sermos igualitários nenhuma expressão religiosa deveria ser permitida, muito menos a propaganda da "profusão de milagres". Bom, se eu tivesse ido até ao Gigantinho só pra receber o meu milagre e não tivesse acontecido nada poderia então enquadrar a tal propaganda como publicidade enganosa, pelo art.37, §1° do Código de Defesa do Consumidor.

Não faço piadas sobre a crença de ninguém, porque sei que as pessoas são livres para acreditar ou não acreditar no que quiserem. Você quer dar dinheiro para a Igreja? Faça isso se lhe fará feliz. Você não tem fé em Deus? Seja feliz também. Respeito e tolerância são valores morais universais que independem do tipo de credo. Agora, no momento em que você autoriza a publicidade do Dia D no ônibus, nasce o dever de autorizar propaganda de qualquer movimento, religioso ou não: ateus, umbandistas, mórmuns, católicos, evangélicos, bruxos, aqueles que creem em duendes e em Papai Noel e outros mais. Todo mundo passa a ter o direito de se expressar do mesmo modo. Pessoas de determinada religião podem se sentir ofendidas com a propaganda dos ateus? Sim, podem. Mas não passa pela cabeça dessas mesmas pessoas que os ateus podem se sentir ofendidos por determinados cultos religiosos manifestados publicamente?

A gente faz propaganda de que o Brasil é a maior democracia do mundo. Pois bem: democracia é tolerar e conviver com aqueles que são diferentes de você, quer você goste ou não. Seria bom se as pessoas conseguissem aprender só essa lição nesse final de ano, pra fazer de 2011 um ano melhor.

Feliz Natal a todos os cristãos, feliz dia 25 de dezembro a todos os outros!

3 comentários:

Unknown disse...

Ane, muito bom teu comentário, acho realmente desagradável este presumido direito que pessoas das mais diversas religiões têm em tentar doutrinar os outros. Conheço vários ateus, e nunca um deles tentou me doutrinar para aderir à sua não-crença; mas basta conversar com qualquer católico, sobre qualquer assunto, por 5 minutos, que ele revira os olhos e se refere ao "altíssimo" por 2 ou 3 vezes.

Eu não me considero ateu, mas sou completamente avesso a dogmas, rituais e tradições - bases de toda e qualquer religião, então qualquer pregação religiosa só me faz bocejar (e, futuramente, evitar o chato do pregador).

Quanto ao tal "Dia D - Dia da Decisão", isto não tem nada a ver com crença, mas sim com manipulação dos ditos "fiéis" (o tal rebanho) para que as hierarquias destas igrejas obtenham ganho político e financeiro. Coisa do capeta...

forinti disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
forinti disse...

Ane, sou um dos fundadores de uma nova religião que eu gostaria que considerasses por dois segundos e depois esquecesse. É o Absenteísmo.

Nossa nova fé nos ensina que deus existe, mas não está.

Não é preciso ir a nenhum templo, rezar nem cumprir nenhum ritual, porque ele não está mais entre nós mesmo.

Já passaram mais de 2 mil anos desde que ele mandou notícias pela última vez. Acredito que ele tenha ficado chateado com a nossa falta de humor. Afinal, religião é sempre tratada com seriedade excessiva; na Bíblia não há uma piada sequer. Então, ele foi buscar um lugar onde as pessoas ao menos rissem das piadas dele.