sábado, 27 de abril de 2019

O cara que não é 100%

Recentemente assisti um seminário no qual foi apresentado o seguinte dado: 82% dos empregados de uma empresa não estão dispostos a dar aquele algo mais pela firma. O dado foi apresentado como alarmante, uma estatística que o bom líder precisa reverter.

Não é preciso muita inteligência para concluir, então, que 18% dos funcionários estão dispostos a sacrifícios diversos pela empresa. Acho isso ótimo, acho que estes funcionários devem ser recompensados, é justo que atinjam os cargos executivos, etc e tal. O que não me parece correto é entender que os outros 82% são um problema a ser resolvido.

Você assina um contrato de trabalho. Lá estão suas obrigações, sua carga horária e a contraprestação pelo seu trabalho. Você cumpre a carga horária. Você desempenha seu trabalho de forma satisfatória e eficiente. Mas você não está disposto a trabalhar 60 horas por semana, nem a viajar no domingo de manhã pra Cacimbinhas do Oeste. Você faz o trabalho para o qual foi contratado e as teses de gestão empresarial entendem que você é o indivíduo a ser conquistado.

Graças a Deus não vivemos mais na primeira era industrial. Trabalho não é mais o fim último da vida de um cidadão. Então, como agora existem leis trabalhistas, as teorias empresariais tentam lhe convencer que todo mundo precisa dar mais do que o máximo por uma empresa da qual sequer é acionista. Isso pode fazer sentido se você tem vinte e poucos anos... basta um puff, uma máquina de salgadinhos e uma mesa e esnúquer no meio da sala de trabalho e você aceita qualquer desafio.

Só que as teorias empresariais esquecem que, com a reforma da previdência que se aproxima, daqui a algum tempo teremos muito mais trabalhadores de 50 anos do que de 20. A maturidade, a menos que você se torne o cara que dá as palestras sobre empreendedorismo, faz com que você aprenda a valorizar o tempo para ficar com a sua família, praticar exercícios físicos, tocar um instrumento ou simplesmente ficar jogado no sofá assistindo sua série favorita a partir das 18h. Não me parece que algo esteja errado com você. Errado é tentar convencê-lo de que pra ser um profissional de sucesso você precisa dar muito mais do que aquilo para o qual foi contratado.

Ah, mas se você estiver disponível para trabalhar às 2h da manhã do feriado de Natal, você poderá levar o seu filho no médico quando ele ficar doente numa segunda-feira à tarde. Pois bem, se você tiver que trabalhar em uma empresa onde seu superior imediato entenda que só profissionais diferenciados podem levar o filho ao médico durante o horário de expediente, é porque pouco evoluímos desde o fim da escravidão.

O bom líder não é aquele que faz com que 95% dos funcionários deem o algo a mais pela firma. O bom líder é aquele que contrata o número de profissionais adequado à necessidade da empresa e coordena o trabalho de modo que todos façam aquilo para o qual foram contratados, no tempo para o qual foram contratados. O resto é só teoria.

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